segunda-feira, julho 03, 2006

Segredos também se lêem...


De volta à realidade após dias sem horas marcadas. Dias em que tudo faz sentido ou quase tudo graças à ausencia de relógio. A disponibilidade total deu sentido a uma realidade pessoal que nem sempre me apercebo. O S.º João foi diferente de todos os anteriores, mais intenso, mais alegre e solto. Vi encontros e desencontros de metros, do outro lado da rua, no meio da multidão. Os encontros foram de olhares, para mim esses são os encontros reais. Dois dias na capital e mais uma vez fui o espectador de encontros e desencontros na mesma forma. Nesse encontro de olhares soube ali que éramos possuidores de um segredo mútuo, um olhar fixo que sem qualquer intenção se baixa. Um olhar cauteloso até mesmo no desencontro, uma cautela que tendeu para o silencio da abstenção. Um sigiloso silencio em que ambos soubemos o que ia na mente um do outro. Forma dois dias passados assim, olhares numa mescla de indiferença,a querer dizer alguma coisa mas em que só se ouvia o silencio.Na viagem de volta mais uma vez o silencio agonizante até que surge o olhar, aquele olhar como se percorresse um espaço intemporal, como se chorasse sem realmente chorar. Debati-me com aquela forma de olhar Km por Km. Vi nele o seu segredo mas no entanto sem o revelar. Pensei " eu sei que ela sabe e ela sabe que eu sei" e senti-me como um "killer" a fazer pontaria para ele próprio. Se a enfrentasse e abrisse o jogo poderia estar errado e falharia se estivesse certo seria eliminado. A partilha desse segredo resultaria num desencontro e isso fez-me hesitar em perguntar " É isto que se passa não é?". Ao invés disso continuei a debater-me com o olhar, nunca o tinha visto e era um bizarro enigma. Instalou-se um segredo entre nós mas que parece que não é permitido revelar, nem sequer conversarmos acerca disso. No final do caminho vi uma mulher a quem não nego prestígio físico ou intelectual a desfazer-se em lágrimas. Não tenho vergonha de dizer que foi quase assustador. Mas mesmo assim no meio de tantas lágrimas eu não perguntei ela não falou. Eu sei que ela sabe e ela sabe que eu sei, uma certeza num poder mental imenso.Um segredo que se for revelado, se eu a confrontar com isso aliciará o diabo ou irritará os anjos, por isso decidimos mentalmente calá-lo e partilhá-lo apenas com o olhar ambos e eu receio cair num inequivoco. Vi naquele olhar que me gelou o quanto ela é cruel com ela própria, o quanto lhe dói. Algo me impede de lhe dizer "quero-te ajudar ... eu sei o que se passa!"pois ver aquela mulher altiva e forte a desmoronar-se é me igualmente penoso. Porque será que não me questiono se será isto ou aquilo? O que me faz ter tantas certezas? Será a consciencia e conhecimento de anos? Não sei se serei capaz de ser tão meticuloso agora que me apercebi que temos um segredo de que não falamos. Ela não fala no que lhe custa ou dói, não sei como lá chegar. Vou ficar á espera de outro olhar, pode ser que eu leia "Ajuda-me!". Eu sei que ela sabe e ela sabe que eu sei pois vimos e lemo-nos sem pronunciar uma palavra. Não sei o que fazer...
Posted by H.